Autorregulação por Jacqueline A. Carleton (Parte 2)
Tradução e organização – fiel ao texto original
Jacqueline A. Carleton, Ph.D.
Autorregulação em Perspectiva Sociopolítica
A partir de 1936, Wilhelm Reich passou a acreditar que o futuro da humanidade dependia de uma transformação radical da vida familiar: como nascemos, como somos criados e como nos tornamos pais.
Em 1940, ele fundou o grupo O Estudo da Criança Saudável, com foco em observar recém-nascidos e diferenciar saúde de patologia desde o início da vida. O objetivo era investigar como instituições sociais interferem no desenvolvimento natural e coletar relatos de educadores, médicos, enfermeiros, pais e cuidadores.
Reich considerava a autorregulação não como conceito teórico, mas como fato biológico observável: o bebê nasce com energia plástica e criativa, capaz de se relacionar com o ambiente e moldá-lo segundo suas necessidades. A tarefa da educação seria apenas remover obstáculos para esse fluxo vital.
A visão de A. S. Neill
Neill aplicava o termo autorregulação ao campo da educação. Para ele, tratava-se de comportamentos que nascem do self, sem compulsão externa.
Em Summerhill, a proposta era permitir que a criança crescesse em liberdade para seguir seus próprios ritmos e escolhas.
No entanto, Neill insistia: uma criança não pode ser mais autorregulada que seus cuidadores são. Portanto, os adultos também precisavam cultivar essa qualidade interna.
Escritos que detalham e aplicam a teoria
Após Reich e Neill, outros autores aprofundaram práticas e aplicações:
- Paul Martin (1942–43): propôs um modelo de criação “sex-econômica”, defendendo aleitamento sob demanda, respeito ao prazer corporal, naturalidade com masturbação infantil e liberdade de expressão emocional, sem repressão nem indulgência excessiva.
- Ilse Ollendorff, Felicia Saxe, Richard Singer, Elizabeth Tyson, Ernst Walter: descreveram métodos e casos clínicos, reforçando que a satisfação das necessidades primárias gera crianças seguras e independentes.
- Ellsworth Baker (1967, Man in the Trap): reuniu instruções práticas desde o pré-natal até a adolescência, destacando contato físico, alimentação natural e respeito ao desenvolvimento espontâneo.
Desafios após os anos 1960
Enquanto Reich e Neill lutaram contra o autoritarismo e a rigidez da era vitoriana, os anos 1960 trouxeram o extremo oposto: permissividade caótica.
- Patricia Greene observou que muitas crianças passaram a crescer sem limites claros e sem contato emocional profundo, sustentando-se de forma frágil diante da liberdade. Para ela, era necessário oferecer apenas a quantidade de liberdade que a criança podia tolerar.
- Barbara Koopman, em sua prática psiquiátrica, apontou que muitos jovens recebiam gratificação material em excesso, mas sem verdadeiro contato afetivo. O resultado era ansiedade, carência e falta de autorregulação. Ela enfatizava que autorregulação não é indulgência: necessidades básicas devem ser atendidas, mas com limites e responsabilidade.
Três tipos de literatura sobre criação autorregulada
A produção acadêmica e prática sobre o tema pode ser dividida em três eixos:
- Textos teóricos inovadores – Reich, Neill e Lane, que formularam o paradigma da autorregulação.
- Escritos interpretativos – autores que explicaram, popularizaram e organizaram as ideias centrais.
- Aplicações práticas e descrições etnográficas – relatos de escolas, famílias e profissionais que aplicaram esses princípios em sua experiência cotidiana.
Aplicações práticas
Diversos relatos publicados em jornais e livros mostraram como esses princípios eram vividos:
- Escolas como a Fifteenth Street School ou A Children’s Place relatavam o equilíbrio entre liberdade de expressão infantil e segurança afetiva.
- Famílias, como a dos Ritter, documentaram a experiência de criar filhos em liberdade responsável.
- Professores e cuidadores descreveram como crianças autorreguladas demonstravam mais saúde emocional, capacidade de lidar com frustrações e espontaneidade criativa.
Revisões críticas e comparações
Artigos em revistas especializadas comparavam constantemente a autorregulação com outras pedagogias (psicanalíticas, progressistas, tradicionais). Essa avaliação seguia três níveis:
- Obras consistentes com a autorregulação.
- Obras parcialmente alinhadas ou progressistas.
- Obras repressivas e sexonegativas.
Esse mapeamento ajudava leitores a compreender diferenças e aplicar princípios de forma consciente.
Conclusão
A diferença central entre a autorregulação e outras correntes é que ela não segue uma linha do tempo rígida de desenvolvimento. Não há expectativa de que todas as crianças passem pelos mesmos estágios em idades específicas. Cada uma encontra seu próprio ritmo: pode desmamar-se antes ou depois do esperado, aprender a usar o banheiro cedo ou tarde, explorar a sexualidade em momentos diferentes.
O princípio fundamental é: respeitar o fluxo vital individual e remover os bloqueios que distorcem a energia natural.
A mudança cultural será lenta, mas cada geração criada sob autorregulação poderá transformar o futuro. O papel dos adultos é não repetir erros, oferecer presença verdadeira e confiar na sabedoria inata da criança.
Guia Rápido: Autorregulação Infantil (Partes 1 e 2) (contribuição do blog)
Tema | Princípios / Prática | Implicações para pais e terapeutas |
---|---|---|
Definição | Autorregulação: capacidade do organismo de ajustar-se a partir do núcleo, satisfazendo necessidades primárias sem coerção externa. | Foco em energia vital, fluxo natural e expressão do self. Adultos devem apoiar, não controlar. |
Base histórica | Inspirada em A.S. Neill (Summerhill), Homer Lane (Little Commonwealth) e Wilhelm Reich (orgonomia, caráter e energia). | Entender a origem sociopolítica e biológica: liberdade com responsabilidade, não permissividade. |
Contato e afeto | Contato visual e tátil desde o nascimento; acolher expressão emocional; presença genuína. | Criança segura e confiante; desenvolvimento de autonomia e criatividade. |
Prazer corporal e sexualidade infantil | Aceitar exploração natural; masturbação respeitada; curiosidade genital entre pares. | Evitar repressão e superênfase. Ensinar limites sem culpas. |
Ritmos orgânicos | Alimentação sob demanda; sono respeitado; desfralde conforme prontidão. | Cada criança tem seu próprio ritmo; não impor padrões rígidos. |
Limites e liberdade | Liberdade proporcional à capacidade da criança de tolerar e se responsabilizar; expressão do núcleo vs. couraça. | Prevenir licenciosidade e permissividade caótica; estrutura que sustenta a autonomia. |
Desenvolvimento emocional | Permitir raiva, choro, tristeza e frustração de forma segura; adultos modelam regulação emocional. | Crianças aprendem a lidar com emoções sem internalizar bloqueios ou tensões crônicas. |
Aplicações práticas | Escolas livres, famílias autorreguladas, diários e estudos de caso: integração entre liberdade e segurança afetiva. | Orientação para intervenção prática: observar, adaptar e apoiar sem coação. |
Objetivo final | Crianças autorreguladas contribuem para sociedade menos armada e mais integrada. | Mudança cultural gradual; adultos removem obstáculos, confiam na sabedoria inata da criança. |
